Carlos Nadalim entrevista Olavo de Carvalho

Tempo de leitura: 15 minutos

Começamos com tudo o ano de 2016 publicando esta entrevista feita com o prof. Olavo de Carvalho, na Virgínia, durante o II Encontro de Escritores. Nela o prof. Olavo nos fala de cultura e dá dicas preciosas sobre a educação infantil. Imperdível!

Quando estive na Virgínia, tive a honra de entrevistar meu professor, Olavo de Carvalho.

PROF. CARLOS: Professor, seja bem-vindo ao blog!

PROF. OLAVO: Obrigado.

PROF. CARLOS: Para quem não conhece o professor Olavo de Carvalho, ele tem um curso na internet, o Seminário de Filosofia. Eu sou aluno do professor há anos e, graças a tudo o que o professor me ensinou, fui estudar, pesquisar assuntos relacionados à educação e, por isso, o blog está hoje no ar. Vou passar a palavra então ao professor Olavo, para que ele explique o que aconteceu aqui na Virgínia. Eu participei do II Encontro de Escritores Brasileiros na Virgínia. Vim apenas como aluno, mas o professor acabou me convidando para falar um pouco sobre educação.

PROF. OLAVO: Bom, nós fizemos esse encontro por causa de um fenômeno muito estranho que acontece no Brasil: depois de 30 anos de devastação do cenário literário nacional, começaram a aparecer novos escritores, alguns de altíssima qualidade, os quais estão completamente excluídos da mídia cultural, que os ignora solenemente. A mídia cultural está na moda dos semi-analfabetos, carreiristas, marqueteiros e comuna-larápios, alimentados à mortadela estatal, que fazem questão de desaparecer com as pessoas que lhe são inconvenientes. Curiosamente, seguindo aquela famosa receita leninista do “xingue-os do que você é, acuse-os do que você faz”, aparece essa cretina dessa dona Márcia Tiburi descrevendo o fascista, e o fascista tem um ódio ao outro e por isso ele trata seus desafetos políticos como inexistentes. É exatamente o que essa gente faz há 40 anos. Eu mesmo fui desaparecido. Quando eu publiquei os Ensaios reunidos, de Otto Maria Carpeuax, com uma introdução de mais de 100 páginas e 700 notas de rodapé, os caras não podiam deixar de noticiar o livro, porque o Otto Maria Carpeaux era um ídolo da esquerda, então sumiram com o nome do preparador da edição. A impressão é de que os textos se reuniram a si mesmos, as notas se redigiram a si mesmas, chegaram a esse absurdo, tamanho o desejo de desaparecer com o outro, com a instrução dada pelo senhor Milton Temer, que era o “chefão” do Partido Comunista, de que “do Olavo de Carvalho não se fala”. Eu fui o primeiro exemplo disso, mas em seguida começaram a aparecer muitos escritores, muitos deles meus alunos, inclusive o Érico Nogueira, que é de longe o maior poeta brasileiro do momento, e outros excelentes, como a Lorena Miranda, e nada disso é noticiado, há um silêncio total. Eles são condenados à inexistência, são “não-pessoas”. Então pensei: nós temos de dar um jeito nisso. Vamos reunir alguns escritores aqui e vamos conversar. O que aconteceu? De onde veio esse fenômeno da devastação cultural brasileira? Fenômeno que aliás vem sendo curado, mas está proibido curar, tem de deixar como está. A cultura brasileira tem de ser representada por Leonardo Sakamoto, Márcia Tiburi, Paulo Ghiraldelli, não pode passar disso, o que for melhor do que isso está proibido. Nós fomos então investigar um tema por dia. No primeiro dia: antecedentes históricos, ou seja, já há fragilidades estruturais da sociedade brasileira, como a indolência intelectual, preconceito contra o conhecimento e amor aos símbolos exteriores do conhecimento (diplomas, cargos, títulos honoríficos). O pessoal adora “professor doutor não sei o quê”, adoram isso. Porém, quando aparece o conhecimento efetivo, eles “desaparecem” com a pessoa. O caso mais grave de desaparecimento é o Mário Ferreira dos Santos, que é, de longe, o maior filósofo brasileiro, um dos maiores do mundo e talvez o maior do século XX. Quando você lê, objetivamente, ninguém chegou a essa altura. E esse pessoal sumiu com o Mário durante 40 anos. Fui eu quem o desenterrei e, mesmo depois, houve resistência. Eles empinavam o nariz e diziam: “Não, isso aí nhenhenhém”. Agora até a Márcia Tiburi vem falar de Mário Ferreira dos Santos, como se ela o tivesse descoberto. Esse pessoal é absolutamente ridículo. A cultura brasileira foi dominada por esse bando de marqueteiros, de cabos eleitorais, esse povo da mortadela que tem de ser expelido a pontapés. São pessoas ridículas, analfabetas. Essa dona Márcia Tiburi começa o livro dela, o capítulo mais importante do livro já tem um erro de gramática na primeira frase, além de o parágrafo ser autocontraditório. A mulher, quando chega na terceira linha, já esqueceu a primeira. E o pessoal vende isso como se ela fosse uma filósofa. Por quê? Porque ela tem um diploma. Diploma que a gente sabe o que vale. Cinquenta por cento dos formandos das nossas universidades são analfabetos funcionais, inclusive ela evidentemente, e outros tantos. Nós temos de dar um jeito nisso. Precisamos estudar o problema e tentar um saneamento básico. No primeiro dia estudamos esses antecedentes históricos, o preconceito contra o conhecimento, que já vem documentado desde o começo do século XX. Lima Barreto já documentou isso naquela história das mulheres que olham pela janela do Policarpo Quaresma e perguntam: “Mas por que tanto livro se ele não é nem bacharel?”. A mentalidade ainda está igualzinha. Nos anos 1960 e 70 parecia que essa coisa bacharelesca havia sido superada, depois, com a ascensão do PT, a coisa voltou com a corda toda. Se bem que a exigência do diploma é seletiva: vale para o Olavo de Carvalho, mas não vale para o Milton Santos, não vale nem para o Lula, aliás. No segundo dia, investigamos o problema que é da sua área, o dos métodos de alfabetização introduzidos por essa mesma turma esquerdista nos anos 1970 e 80, como o socioconstrutivismo e etc., que cria deficiências estruturais de leitura que não se curam nunca mais. O sujeito chega aos 40, 50 anos publica livros e ainda é um analfabeto funcional, não compreende o que ele mesmo escreve, é algo desesperador. Se você, ao contrário, enerva o seu filho, estupora a criança gritando, tendo ataque histérico etc., você está formando outro histérico, e ele vai te devolver. É o seguinte: mantenha uma certa distância, uma certa solenidade com a criança, e faça os seus filhos sentirem que você está aí para protegê-los. Eles estão ali brincando, mas você não é um jogador, não está na brincadeira, não é o vizinho, você é o segurança do estádio. Se seu filho sentir isso, ele vai amar você e, se ele amar, vai imitar. Uma coisa importante é o seguinte: jamais dê uma bronca; bom, em criança pequena não se dá bronca. Terceiro conselho, jamais se explique para a criança: “Por que eu tenho de fazer isso?”, responda “Porque eu sou seu pai e estou mandando”. Pronto, acabou. Quarto, criança não é naturalmente rebelde, essa história “é de pequenino que se torce o pepino”, o seu filho não é um pepino, ele não nasceu deformado para que você com sua imagem de perfeição o conserte. Ele é um ser humano como você, igualzinho. As crianças têm um instinto de obediência. Por quê? Porque elas são pequenininhas, fracas e contam com o maior e mais forte para proteger e para lhes dar o modelo. Eu lembro que os meus filhos, praticamente todos eles, para fazer coisas banais, eles pediam autorização: “Posso ir ao banheiro?”, “Posso comer um pão?”. Aí eu comecei a pensar o motivo de eles me pedirem isso. Eu vi o seguinte: se eles fossem fazer qualquer um desses atos por si mesmos, seria um ato banal, mas fazer isso com autorização do pai já é uma coisa mais importante. Daí vem a palavra autoridade, autoridade vem de “autor”, você é o cara que autoriza, é uma ação sua que ele está cumprindo e, automaticamente, a ação se torna mais importante. Toda criança tem esse instinto, a criança está pedindo por uma autoridade benévola e protetora, o que na verdade é um pai, uma mãe.

PROF. CARLOS: Nós conversamos aqui nos bastidores sobre a literatura infantil. Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre esse tema.

PROF. OLAVO: Eu vou ser sincero, desde que era pequeno sempre odiei literatura infantil, porque as histórias são bobocas. “A borboletinha que se apaixonou pelo hipopótamo”, essas coisas são perfeitamente idiotas. Quando era pequeno, lia muita revista em quadrinhos, Mickey, Pato Donald, e aprendi a ler sozinho com 5 anos. Não sei como aprendi, por isso não tenho método nenhum para ensinar para ninguém, não sei como é que foi. Um dia eu apareci lendo. A coleção Tesouro da Juventude me interessava, me dava informação, me abria uma perspectiva para o mundo e falava de coisas interessantes. O primeiro livro pelo qual me apaixonei na vida foi O caçador, de John Hunter, é uma história real. Eu até hoje leio esse livro com interesse, pois relata a vida de um caçador profissional na África. Então, são coisas desse tipo, livros de aventura, os autores ingleses e americanos são muito bons para isso. Esses dias mesmo estava lendo uma história de dois garotos que se perdem no Alasca, são perseguidos por um urso, e acontece um monte de rolo. Quando era criança, eu lia o Rafael Sabatini, Sherlock Holmes, essas coisas me interessavam. A literatura infantil do Monteiro Lobato eu nunca consegui ler, porque aquilo era uma coisa boboca, com um mundo totalmente fictício, coisas que não vão acontecer, inteiramente absurdas, e eu penso que a literatura é para abrir a imaginação para o possível, não para qualquer idiotice arbitrária que você invente. Lembro, por exemplo, que eu lia muitas histórias em quadrinhos, mas histórias de super-heróis não me interessavam, porque elas nunca iriam acontecer. Histórias de horror não me interessavam: lobisomem, vampiro, isso é tudo papagaiada. Agora, se tem crime, guerra, pode acontecer. Super-heróis, aliás, histórias absurdas só me interessavam quando eram engraçadas, de super-herói eu só gostava do “homem-borracha”, porque era para rolar de rir; não era sério nem pretendia ser sério. Criança gosta de ler aventura, de coisas extraordinárias, mas de coisas extraordinárias que possam acontecer, que abram a mente dela para o mundo da possibilidade, não da impossibilidade. Para encher a cabeça do garoto de minhoca, para ele ficar com medo de um monte de coisa que não existe, você está formando um idiota e penso que 90% da literatura infantil brasileira, pelo menos, é escrita por senhoras que nunca saíram de casa, senhoras que têm medo até da chuva. Essas pessoas não têm nada a ensinar para as crianças. Quem tem? Ora, quem tenha experiência com essa vida. É por isso que alguns livros que eu lia quando criança me interessam até hoje. O Sherlock Holmes me interessa até hoje, o livro do John Hunter me interessa até hoje, a coleção Tesouro da Juventude, se eu pegar hoje para ler, vou aprender coisas ali.

PROF. CARLOS: O senhor comprou a edição de novo?

PROF. OLAVO: Sim, eu ouvi todo mundo falando e pensei “é mesmo”. Comprei toda a coleção de novo, mas comprei aquela edição de 1954, porque depois ele já podem ter enfiado coisa dentro, ter entrado umas babaquices. É preciso ver também que eu fui educado numa outra época. No meu tempo a gente buscava aventura, a brincadeira preferida era subir nos edifícios em construção, até o 5.º ou 6.º andar, e pular no monte de areia. Numa brincadeira, a gente deitava numa ladeira e via quem era o último a levantar quando vinha um carro. A gente se expunha a risco porque criança gosta disso, gosta de correr risco, tanto meninos quanto meninas. De vez em quando ocorriam umas inundações no bairro, era uma diversão a gente sair na rua com água até na barriga. Criança gosta do que é extraordinário, de um mundo de aventuras. Hoje, com essa superproteção, é uma coisa terrível. No tempo em que eu fazia o programa [True Outspeak] o pessoal ligava, mas não havia um que tivesse voz de homem. Eu pensava: “Alguma coisa está errada, virou tudo ‘piá de prédio’”. Realmente, não pode ser assim, isso tem de mudar. As pessoas têm preconceito contra a coragem: “A coragem é machista”. Por quê? Não existe mulher corajosa? Eu já vi um monte. Está aí a Roxane. A Roxane tem medo de tudo quando não está acontecendo nada, quando vem uma desgraça ela centra, toma consciência e faz o que tem de fazer. É uma maravilha. A minha mãe sempre foi um exemplo de coragem. Minha mãe já parou assalto na rua. Já teve briga de rua: uma vez quebraram o nariz de um primo meu, um bando de arruaceiros, uns 15 caras, e saíram minha mãe e meu tio, com 70 e tantos anos, distribuindo porrada pra todo mundo. Eu perdi meu pai muito cedo, mas minha mãe sempre foi um exemplo de coragem para mim, até hoje ela é. A gloriosa dona Nice. Ela me ensinou o que é preciso fazer na hora do perigo. As pessoas hoje não sabem isso, mas isso não é uma coisa machista, é o preconceito que eu tenho contra a covardia. Eu tenho horror à covardia. Eu prefiro um cara que é mau, porque o mau de vez em quando pode fazer uma coisa boa, mas o covarde nunca vai fazer uma coisa boa, porque ele tem medo. Isso precisa acabar. Esse tipo de literatura que o pessoal faz, que só traz a “borboletinha”, o “veadinho”, vamos parar com isso, gente.

PROF. CARLOS: Professor, para encerrar, gostaria de registrar que fiz a transcrição das primeiras aulas do COF [Curso Online de Filosofia], das cinco primeiras, aquilo ficou impregnado em mim e tudo o que eu estudei depois sobre educação de crianças eu retirei muita coisa dali. O que não estava ali, o senhor já apontava de alguma maneira, desde essa preocupação que temos de ter com o corpo antes de entrarmos no mundo da literatura. Eu queria lhe agradecer por tudo porque o meu projeto é apenas uma pequena nota de rodapé do seu imenso trabalho.

PROF. OLAVO: O que você está fazendo é de uma importância extraordinária, eu espero que isso tenha conseqüências de amplitude nacional, mais dia menos dia. Talvez apareça um ministro da educação que saiba escrever, que não diga “cabeçário” em vez de cabeçalho. Ainda teremos isso, é um sonho, mas ainda teremos isso [risos]. E quando tiver, que esses métodos sejam aproveitados em escala nacional, porque, é óbvio, eles funcionam e o resto não. O resto funciona ao contrário.

PROF. CARLOS: O senhor teve a chance de ver alguns vídeos das crianças da escola, não?

PROF. OLAVO: É muito impressionante aquelas crianças pequeninhas, todas falando latim. Sabem latim mais do que na minha época os garotos de ginásio sabiam. E hoje quem sabe latim? Pega esses filosofinhos que tem por aí, Paulo Ghiraldelli, Márcia Tiburi, e dê um texto em latim para eles.

PROF. CARLOS: Quando eu fiz mestrado em educação, vários criticavam a Escolástica.

PROF. OLAVO: Que Escolástica, eles lá sabem o que é Escolástica? Você está exigindo muito.

PROF. CARLOS: Professor, muito obrigado, mais uma vez, por tudo.

PROF. OLAVO: Eu que agradeço, foi um prazer.


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4 Comentários


  1. Prezado Carlos Nadalim, boa tarde

    Poderia me indicar como conseguir a obra “O caçador” de John A. Hunter?

    Esgotei todas as possibilidades na internet e comecei a procurar nas bibliotecas do município onde resido. Todavia a dificuldade ainda persiste.

    Atenciosamente.

    Responder

  2. Professor Carlos, bom dia.
    Vi na entrevista o seguinte: “Professor, para encerrar, gostaria de registrar que fiz a transcrição das primeiras aulas do COF [Curso Online de Filosofia], das cinco primeiras, aquilo ficou impregnado em mim e tudo o que eu estudei depois sobre educação de crianças eu retirei muita coisa dali”.
    Isto está disponível em algum lugar no blog? Posso ter acesso?
    Obrigada

    Responder

  3. Em que sítios na Internet ou livrarias conseguirei adquirir os livros sugeridos pelo Olavo?

    Responder

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