Tempo de leitura: 9 minutos
“É preciso garantir que os primeiros encontros da criança com a leitura sejam agradáveis, a fim de que ela retorne com alegria, agora e sempre, à experiência de ler. Mas, se esses encontros são repetidamente penosos, a leitura não será mais do que uma obrigação escolar, em vez de um hábito pelo resto da vida.”
— Jim Trelease, “The Read-Aloud Handbook”
Para ilustrar a importância da leitura em voz alta, vale a pena conhecer a história do menino Christopher, da pequena cidade norte-americana de Russell, no Kentucky. Em 2002 ele prestou o ACT, um exame de admissão para universidades dos EUA, atingindo a pontuação máxima de 36 (dos 400.000 alunos prestando o exame na ocasião, menos de 60 atingiram essa nota). Foi o que bastou para que toda a cidade e até um repórter do “The New York Times” procurassem a família para saber o segredo: afinal, que curso preparatório Christopher havia feito? A resposta era surpreendente: nenhum. Surpreendente, mas não de todo verdadeira. É que os pais de Christopher costumavam ler em voz alta para ele por trinta minutos toda noite, ano após ano, desde que ele era criança – um hábito que se manteve mesmo depois que o menino já sabia ler. Seus pais acreditavam que, desta maneira, estariam preparando o filho não apenas para os estudos, mas para tudo o mais na vida.
Além de estreitar o vínculo entre pais e filhos, servindo como importante reforço emocional para as crianças, a leitura em voz alta praticada diariamente enriquece a imaginação e o vocabulário dos pequenos e contribui para aumentar sua capacidade de atenção, preparando-os para leituras de maior fôlego e por conta própria no futuro.
É importante saber também que o nível de compreensão auditiva de uma criança é maior do que o seu nível de compreensão de leitura. Em outras palavras: um livro pode ser demasiado complexo para que uma criança de sete anos o leia, mas, se o mesmo livro for lido em voz alta por um adulto, a criança poderá compreendê-lo. Isso porque a leitura em voz alta recruta uma série de elementos que facilitam a compreensão, como entonação, ritmo, ênfase nas informações mais importantes etc.
Deste modo, a leitura em voz alta permite que a criança desfrute do conteúdo de maneira mais fluida, sem os entraves que poderiam existir caso ela realizasse a leitura sozinha. Segundo os especialistas, há razões para crer que o nível de compreensão auditiva e o nível de compreensão de leitura começam a convergir por volta dos 13 anos de idade. Até lá, portanto, os pais têm um vasto campo para explorar com seus filhos, garantindo-lhes acesso a conteúdos que, de outro modo, poderiam permanecer desconhecidos ou incompreendidos.
Uma série de fatores devem concorrer para que a leitura em voz alta seja bem-sucedida, mas um dos principais é o acerto na escolha do livro. Nem todo livro se presta à leitura em voz alta – há aqueles, aliás, que não se prestam a leitura nenhuma. Os pais devem estar atentos à qualidade do texto e das ilustrações. Igualmente, o conhecimento de alguns critérios deve ajudar na hora de escolher o que ler para os pequenos.
De 0 a 3 anos:
A percepção de sons e padrões rítmicos
De zero a 1 ano de idade
Até os quatro meses de vida, você não precisa se preocupar tanto com o que vai ler para o bebê – o mais importante é que você leia, para que ele se acostume com o ritmo da sua voz na leitura em voz alta e a associe a um momento de tranqüilidade e segurança.
Há pesquisas comprovando que, aos oito meses, o bebê já começa a memorizar padrões rítmicos e estruturas vocabulares. Por isso, nos primeiros anos de vida, a ênfase da leitura em voz alta deve estar no som, e o tipo ideal de texto para essa fase deve apresentar rimas e padrões repetitivos, facilitando a memorização pela criança.
Tipo ideal de texto para ler em voz alta: poemas com rimas, histórias rimadas, histórias com padrões repetitivos. Os pais podem recitar parlendas e cantar cantigas de roda para o bebê enquanto realizam as atividades do dia a dia.
Nesta entrevista, o poeta Érico Nogueira revela que recitava poesia para seus filhos quando ainda estavam no ventre materno, mantendo posteriormente a recitação como parte da rotina doméstica. Ele também dá algumas dicas do que você pode ler para os pequenos.
Sugestões de livros:
- Fábulas de La Fontaine, trad. Ferreira Gullar, Ed. Revan.
- Eu grande, você pequenininho, Lili L’Arronge, Companhia das Letrinhas.
- Criança meu amor, Cecília Meireles, Ed. Global (livros com poemas e textos curtos em prosa, que se destinam a uma faixa etária mais avançada.)
- Um gato chamado gatinho, Ferreira Gullar, Ed. Salamandra.
Os livros já indicados aqui.
Em inglês:
- Ten Little Fingers and Ten Little Toes, Mem Fox, HMH Books for Young Readers.
- Gossie, Olivier Dunrea, Houghton Mifflin.
De 1 a 2 anos
Nessa idade, quando se inicia a fase de nomeação, vale a pena acrescentar às leituras já mencionadas livros que tragam imagens de animais, objetos, lugares etc. Aponte para as ilustrações, nomeie os objetos, peça a seu filho para nomeá-los com você.
Durante a leitura de histórias, você já pode colocar em prática a leitura dialógica, fazendo a seu filho perguntas que estimulem a imaginação (o que veio antes? o que você acha que virá depois?), explorando as ilustrações (“Veja, filho: a menina parece assustada, não?”), promovendo, enfim, a interação da criança com a história.
Esteja preparado para ler a mesma história diversas vezes. Segundo Jim Trelease, “antes dos dois anos de idade, repetidas leituras de alguns poucos livros valem mais do que uma enorme coleção de livros lida esporadicamente.” O prof. Carlos Nadalim explica neste vídeo por que é bom para as crianças ler de novo e de novo a mesma história.
Tipo ideal de texto para ler em voz alta: O mesmo de antes, acrescentando-se livros cujas ilustrações possam ser aproveitadas para explorar a fase de nomeação típica dessa idade.
Sugestões de livros:
- 1000 Alimentos, Hannah Wood, Ed. Usborne.
- Minhas 100 Primeiras Palavras, Ed. Ciranda Cultural.
- 100 Primeiras Palavras – Alimentos, Lô Carvalho, Ed. Bamboozinho.
- 100 Primeiras Palavras – Animais, Lô Carvalho, Ed. Bamboozinho.
Em inglês:
Os livros de Roger Priddy (Ed. Priddy Books) são uma boa opção, com títulos como First 100 words e My Big Animal Book (mesmo pais que não falam inglês aproveitarão as imagens).
A partir de 3 anos
A capacidade de atenção de seu filho está aumentando, e você já pode selecionar livros ilustrados que apresentem mais frases por página (os primeiros livros da vida de seu filho geralmente trarão de 1 a 2 frases por página).
Há casos de crianças nessa faixa etária que já conseguem ouvir com atenção até 30 minutos de leitura em voz alta de um livro sem ilustrações. Mas lembre-se: a capacidade de atenção é construída com o tempo, minuto por minuto. Não force a criança. A leitura em voz alta deve ser uma experiência rica em reforços positivos para o seu filho, para que, nas palavras de Trelease, “ele retorne com alegria, agora e sempre, à experiência de ler”.
A transição dos livros ilustrados para as narrativas curtas
Com o gradual robustecimento da capacidade de atenção da criança, você já pode começar a experimentar a leitura de narrativas mais longas.
Como já dissemos, a capacidade de atenção não é construída da noite para o dia. O conselho de Jim Trelease é: “Comece com livros ilustrados curtos, depois passe para livros ilustrados um pouco mais longos, cuja leitura possa se estender por vários dias, então avance para novelas curtas (devidamente segmentadas em capítulos) e, finalmente, para novelas mais longas (acima de 100 páginas).”
Essa transição não se pauta rigidamente pela idade da criança, mas pelo amadurecimento da sua capacidade de atenção. Jennie Fitzkee, uma professora do jardim-de-infância em Groton, Massachusetts, lia durante o período da manhã três livros ilustrados curtos para seus alunos de 3-4 anos. Após a soneca do almoço, seus pequenos alunos sentavam-se para ouvir, por meia hora, a leitura de uma novela com mais de 100 páginas, muitas vezes retomando a narrativa mesmo após um final de semana.
Tipo ideal de narrativa para ler em voz alta: Narrativas de até 100 páginas, preferencialmente segmentadas em capítulos, observando sempre a adequação do tema à maturidade da criança. Vale lembrar que um bom livro é um bom livro, e não deve ser abandonado só porque a criança “já passou da idade de lê-lo”. Por isso, os bons livros ilustrados não devem ser deixados de lado, tampouco a leitura de poesia.
Sugestões de narrativas curtas:
- A Árvore Generosa, Shel Silverstein, Ed. Companhia das Letrinhas.
- O Livro das Virtudes, William Bennett (org.), Nova Fronteira (coletânea que contém poemas e narrativas curtas).
- Contos e Poemas para Crianças Extremamente Inteligentes de Todas as Idades, Harold Bloom (org.), Ed. Objetiva. (Coleção em 4 volumes – coletânea que contém poemas e narrativas curtas).
Sugestões de novelas longas (mais de 100 páginas):
(Esta é de longe a categoria mais farta em opções! São muitos títulos excelentes para se ler em voz alta, mas fica aqui uma pequena seleção:)
- História do Doutor Dolittle, Hugh Lofting, Ed. Martins Fontes.
- As Aventuras de Pinóquio, Carlo Collodi, Ed. Companhia das Letrinhas.
- As Crônicas de Nárnia, C. S. Lewis, Ed. Martins Fontes.
- O Menino do Dedo Verde, Maurice Druon, Ed. José Olympio.
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