Existem Estilos de Aprendizagem?

Tempo de leitura: 9 minutos

No texto de hoje falarei sobre estilos de aprendizagem, mas antes permitam-me fazer uma breve introdução.

Desde muito cedo na história humana vemos que o semelhante vem do semelhante. Em pouco tempo, sobre seus filhos, pais e mães constatam: ainda que criados no mesmo ambiente, cada filho tem sua personalidade. Isso pode envolver, entre muitas outras coisas, diferenças no temperamento, no perfil cognitivo, nas preferências de paladar, nos padrões de interação oral, nos ritmos de sono e vigília etc.

Em condições normais, não há pais desdenhosos do desenvolvimento dos filhos. Já durante a gestação existem os cuidados pré-natais. Depois do nascimento, a atenção com os olhares, a audição, o sorriso, enfim, com os padrões de resposta a estímulos de interação social.

Uma revolução ocorre quando se instala a fase da autonomia motora: a criança começa a andar. Os cuidados infantis multiplicam-se em ações e tarefas de proteção e amparo. A necessidade de vigilância impõe-se com mais força. A cada avanço em capacidade física os perigos parecem aumentar.

Seja por um senso que é comum a mães e pais, seja pelo uso crescente de informações postas à disposição do público pelas diversas áreas da Ciência, seja pelo acesso a serviços de apoio e assistência, médica principalmente, a maioria dos pais é bem-sucedida em fazer as crianças chegarem física e psicologicamente sãs ao final da infância.

Houve um tempo em que, primeiramente nas regiões urbanas e depois também nas rurais, algo importantíssimo ocorria aos 7 anos: a matrícula numa unidade escolar. Nos dias de hoje, o início da instrução escolar está sendo antecipado.

Entre nós, por mandado constitucional e legislação infraconstitucional, a entrada na instrução escolar, que caíra para 6 anos em 2006, descerá ainda mais em 2016 e será agora de 4 anos. E a escolarização antes dos 4 anos é cada vez mais comum, por iniciativa dos próprios pais. Isso acontece por uma diversidade de motivos, até mesmo os que contrariam o bom e velho senso comum, como no caso em que as mães não estão assoberbadas pela dupla jornada de trabalho.

Quanto ao processo constante de antecipação da escolarização, deveríamos ter algumas cautelas. Há um debate intenso entre os maiores pesquisadores do mundo nessa área a respeito dos impactos da frequência à pré-escola nas habilidades escolares e no comportamento futuro de crianças e adolescentes (as pesquisas utilizadas neste texto estão referenciadas no final do artigo).

Há estudos que acompanham e medem o número de horas semanais que as crianças passam sob a supervisão da mãe ou em creches e pré-escolas de alta qualidade e comparam o desempenho dos dois grupos ao iniciarem e ao encerrarem o ensino fundamental. Existem vantagens nas habilidades cognitivas e escolares dos que frequentaram creches e pré-escolas de alta qualidade. No entanto um intenso debate tem ocorrido sobre por que essa vantagem parece não se sustentar além dos anos iniciais do ensino fundamental. Diferentemente, crianças que frequentam pré-escola (os estudos se referem sempre a creches e pré-escolas de alta qualidade) têm mais probabilidade de assumir comportamento de risco e de apresentar comportamento impulsivo na adolescência. Nesse caso, a desvantagem não arrefece ao longo do tempo.

O ponto a ser levado em consideração aqui é: em condições normais, aos 4 anos de idade todas as crianças ouvem, vêem, comunicam-se oralmente, andam e interagem socialmente. Isso significa que todo o equipamento cognitivo está habilitado a operar e a capacidade de seguir proveitosamente os currículos escolares da primeira parte do ensino fundamental está presente. A questão está na especificação: em condições normais. Crianças que vivem em condições econômicas e socioemocionais adversas, nas quais o risco de abandono e negligência é mais alto, e por consequência experimentam situações extremas de estresse, logicamente precisam de atenção e recursos extrafamiliares. Para tais crianças as evidências não nos autorizam a descartar a alternativa da escolarização em creches e pré-escolas de alta qualidade.

A partir da iniciação escolar, seja aos 7, seja aos 4 anos, ou ainda em mais tenra idade, conforme assinalamos, outros atores começam a formar o elenco de educadores de nossas crianças e a dividir, nesse processo, o protagonismo com os pais. Isso se os pais ainda não se retiraram de cena, entregando-as à escola precocemente, ou mesmo permitindo que TV, tablets e smartphones, os chocalhos de hoje, assumam sua formação, ou deformação.

Entre nós e nossos filhos erguem-se, então, os educadores profissionais: professores, que lhes ministram aulas, e pedagogos, que planejam o processo educacional nas escolas em que eles passam grande parte de seu tempo.

Entre as idéias forjadas por pedagogos e psicólogos, às quais pais e professores costumam assentir, está aquela segundo a qual cada um tem um estilo de aprendizagem. O estilo corresponderia a perfis cognitivos distintos em termos daquilo a que se chama em geral a inteligência. Uns seriam mais verbalizadores, portanto, possuiriam uma inteligência mais oral e aprenderiam mais se o ensino fosse oral. Outros seriam mais ativos e dados à mobilidade e, assim, dotados de uma inteligência sinestésica, então precisariam de estratégias de ensino que privilegiassem o movimento. Outros, ainda, hábeis na representação e no manejo de formas e no processamento visual, apresentariam uma inteligência fortemente visual/espacial. Estes obteriam mais progressos na aprendizagem que enfatizasse representações gráficas e espaciais. Muitos pais e professores dão sua aquiescência a tais formulações por confundirem preferências de aprendizagem com aquelas diferenças de personalidade entre as crianças, ainda que irmãs, a que nos referimos antes.

Há entretanto uma forma de pormos essa idéia à prova. Bastaria identificar os hipotéticos estilos de aprendizagem de crianças, agrupá-las por estilos e oferecer a cada grupo procedimentos de ensino correspondentes e não correspondentes aos estilos. Depois, medir e comparar a aprendizagem. Se, ao final, houvesse maior aprendizado nos grupos em que os procedimentos de ensino correspondessem aos hipotéticos estilos de aprendizagem do grupo, confirmar-se-ia a hipótese. Do contrário, não.

Pois é justamente o que vários cientistas fizeram. Além disso, vários cientistas realizaram levantamentos dos estudos experimentais desse tipo disseminados na literatura científica. A isso chamam de revisão sistemática de literatura.

As informações que decorrem de tais estudos e das revisões sistemáticas? Até agora nenhuma confirmação da existência de estilos de aprendizagem. Preferir essa ou aquela matéria de estudo, este ou aquele procedimento de ensino não significa aprender de formas distintas.

Os pais devem conhecer, e reconhecer, tanto a variabilidade das preferências individuais, por exemplo, em termos de interesses por matérias de ensino, quanto a diversidade de personalidades entre as crianças. Mas não têm motivos para dar seu assentimento à noção, muito difundida, de que as crianças aprendem de formas diferentes.

Um bom início é reconhecer que, assim como não existem alunos que a tudo acertem, também não há pais e mestres isentos de erro. Deve-se evitar dar assentimento imediato ao que se lê ou se vê na mídia não especializada.

As evidências mais robustas e sistemáticas mostram que, no ensino, são seguras e universalmente eficazes as seguintes orientações:

  • Começar cedo, isto é, desde tenra idade;
  • Aproveitar ao máximo o período da explosão do vocabulário oral, entre os 3 e 4 anos;
  • Ir sempre do mais fácil e simples para o mais complexo e difícil;
  • Assegurar-se de que a criança já domina os conhecimentos e/ou desenvolveu as habilidades requeridas para o aprendizado do novo conhecimento e/ou desenvolvimento da nova habilidade antes de ensiná-la;
  • Ensinar cada coisa de uma vez;
  • Descrever com clareza e de forma sucinta o que a criança aprenderá;
  • Modelar o ensino, ou seja, fornecer um modelo a ser imitado e evitar contextualização;
  • Fazer revisões;
  • Fazer exercícios guiados;
  • Treinar, fazer repetições dos exercícios e só depois realizar exercícios autônomos.

Por fim, deve-se reconhecer que, embora as neurociências venham esclarecendo muitos aspectos do funcionamento da arquitetura cognitiva humana, estamos muito longe de uma neurociência prescritiva. E talvez jamais cheguemos a esse ponto. Será preciso ainda um bom caminho de colaboração entre neurocientistas e educadores, o que hoje ainda não existe em termos satisfatórios, para que a neurociência aumente o seu grau de fecundidade pedagógica.

REFERÊNCIAS

Artigo de 2007 em que Belsky apresenta dados sobre efeitos positivos e negativos do early child care:

BELSKY, J. et al. Are there long-term effects of early child care? Child Development, v. 78, n. 2, p. 681-701, 2007.

Artigo de 2010 no qual Belsky mostra evidências de persistência dos achados de 2007:

BELSKY, J. et al. Do Effects ofearly child care extend to age 15 years? Results from the NICHD study of early child care and youth development. Child Development, v. 81, n. 3, p. 737-756, 2010.

Artigo sumamente importante no qual Belsky discute a polêmica sobre essas evidências:

BELSKY, J. Effects of child care on child development: give parents a real choice. Londres, 2009.


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