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No prefácio de Literature for Children (“Literatura para Crianças”, sem tradução para o português), Orton Lowe afirma: “Dentre todas as possibilidades existentes na vida educacional de uma criança, nenhuma é mais promissora do que a possibilidade de autoaperfeiçoamento por meio da leitura de bons livros.” Para o autor, o enriquecimento do imaginário pessoal na infância, por meio da boa literatura, é indispensável para que o indivíduo adulto vivencie de forma mais plena sua própria existência e contribua, de forma mais efetiva, para a vida em comunidade. Dentre as práticas fundamentais para estimular na criança o amor pela literatura, o autor lista em primeiro lugar o aprendizado, de cor, de um punhado de poemas seletos.
Neste artigo, falaremos sobre alguns benefícios da memorização e recitação de poesias, e o porquê da preferência por esse gênero literário quando se trata de memorizar textos. Além disso, você vai aprender algumas técnicas para começar a praticar a memorização com seu filho.
Mas, antes de continuar, esclareçamos uma dúvida muito comum…
Afinal, não é errado decorar?
A memorização é um campo de batalha na moderna educação: muitos se levantam contra o que denominam pejorativamente de “decoreba”, enfatizando a necessidade de estimular na criança o “pensamento crítico” e a “criatividade”.
Os defensores dessa corrente se esquecem de um princípio elementar: a criatividade e o raciocínio lógico não se desenvolvem no vazio, mas sobre algum conteúdo, e este deve necessariamente ser transmitido à criança. Quanto mais rico o conteúdo e mais eficaz a transmissão, mais equipada a criança estará para raciocinar logicamente e exercer sua imaginação de forma criativa.
O aprendizado de cor não é o fim do processo de educação, mas seu início – por meio dele, a criança internaliza conteúdos e apropria-se de elementos lingüísticos que ampliarão sua capacidade expressiva e de compreensão dos conteúdos comunicados, num processo contínuo de ampliação da inteligência e da criatividade.
Contra os críticos modernos, permanece inabalável o testemunho da melhor tradição educacional do Ocidente, que sempre recorreu à memorização dos clássicos como um dos seus mais importantes recursos de transmissão da cultura.
O melhor material para a memorização
Por sua própria natureza, poemas são agradáveis ao ouvido e mais fáceis de decorar do que a prosa – sendo que, no universo da poesia, uns poemas são mais adequados à memorização do que outros. Poemas com um metro sólido, padrões rítmicos constantes e rimas criam uma previsibilidade que auxilia sua fixação pela memória. Esses poemas são o material perfeito para a memorização.
Em língua inglesa, as famosas nursery rhymes (“rimas do berçário”) são tradicionalmente ensinadas de mãe para filho, proporcionando à criança, desde pequena, uma rica experiência das possibilidades fonéticas do idioma e preparando-a para o próximo nível de sofisticação da língua. Em português, além das parlendas e cantigas populares, encontramos boas opções de poemas para memorizar. Em um próximo artigo, apresentaremos uma seleção especial para ajudá-lo na escolha dos textos para praticar com seu filho.
São muitos os benefícios da memorização de poemas, dentre os quais podemos destacar:
1, Enriquecimento dos meios de expressão, de duas maneiras: (i) por meio do aumento do vocabulário, uma vez que a estrutura rítmica das estrofes ajuda a criar um contexto onde se inserem as palavras novas e desconhecidas, tornando mais fácil sua rememoração; (ii) por meio da familiarização com estruturas sintáticas mais complexas, freqüentemente encontradas na poesia, mais raramente na prosa e praticamente nunca na linguagem da mídia ou da comunicação cotidiana. Além disso, na poesia a criança tem contato com palavras de sons parecidos, mas sentidos diferentes, treinando a discriminação auditiva, fundamental para a eficiência em leitura.
2. Dicção e consciência fonêmica. A recitação de poesia ajuda a desenvolver na criança as noções de altura do som (agudo, grave etc.), volume (forte, fraco) e sentidos associados às inflexões de voz. Ao treinar a recitação de poesia, a criança aprenderá a acentuar corretamente os sons da fala e desenvolverá a noção de ritmo. Essas habilidades são valiosas no momento da leitura, durante o qual a criança tem de, por assim dizer, “ouvir dentro de si” a voz que está ausente no impresso.
3. Percepção de padrões e seqüências. A poesia, ao associar sons e imagem, torna mais “visível” o processo de leitura, facilitando a captação, pela criança, de padrões e seqüências no que ouve e no que lê. A memorização de poesia treinará a memória na arte de captar e guardar padrões e seqüências, o que auxiliará no aprendizado de línguas, de matemática e na compreensão dos textos lidos.
4. Consciência corporal. Na recitação de poesia, a criança tem de coordenar respiração, movimentos da boca e outros gestos, todos alinhavados pelo ritmo da poesia. A recitação também se apóia nas expressões faciais para comunicar sentimentos ao público, treinando a criança na arte da comunicação eficaz. Como um bônus, isso ajudará a preparar seu filho para falar em público, acostumando-o a sentir-se à vontade diante de um público desconhecido.
Crianças pequenas conseguem memorizar textos?
À primeira vista pode parecer impossível que uma criança de 2, 3, 4 ou 5 anos memorize um texto. Mas definitivamente não é! Como já foi dito, textos com rima, ritmo e repetição tornam a memorização mais fácil e interessante para as crianças. Por essa razão, elas conseguem memorizar um poema de 8 a 16 versos em uma ou duas semanas.
Mas é preciso ler a poesia todos os dias para a criança, três ou quatro vezes. Além disso, o prof. Carlos Nadalim sugere uma maneira de facilitar o processo:
Se o poema já tiver uma divisão em estrofes, a meta será memorizar 1 ou 2 estrofes por semana – ou metade de uma estrofe, caso seja longa. Se o poema não tiver essa divisão, crie-a, selecionando os versos a memorizar por semana. A quantidade de versos a decorar semanalmente dependerá de cada criança – adapte o treino à capacidade atual de memorização de seu filho, sem sobrecarregá-lo. Proceda então da seguinte maneira:
1º – Leia o primeiro verso para seu filho e peça-lhe para repeti-lo, como um eco;
2º – Leia o primeiro verso novamente e acrescente o segundo, pedindo a seu filho para ecoá-los;
3º – Leia novamente o primeiro, o segundo e agora o terceiro versos, e peça a seu filho para ecoá-los;
4º – Proceda assim até o último verso da estrofe, ou da seção.
Exemplo:
Suponhamos que o poema a ser memorizado seja “A bailarina”, de Cecília Meireles, e que, na primeira semana, você deseje que seu filho memorize a primeira estrofe (ou as duas primeiras, dependendo do caso.)
As duas primeiras estrofes são assim:
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.
Para que seu filho memorize a primeira estrofe, proceda da seguinte forma:
Pai: Esta menina
Filho: Esta menina
Pai: Esta menina/tão pequenina
Filho: Esta menina/tão pequenina
Pai: Esta menina/tão pequenina/quer ser bailarina
Filho: Esta menina/tão pequenina/quer ser bailarina
Caso o poema tenha versos mais longos (mais de 3 palavras), pode ser que crianças de 2 a 3 anos não repitam um verso inteiro de uma só vez. Na verdade, é comum que elas repitam apenas a última palavra de um verso. Nesse caso, você pode dividir cada verso em duas ou três partes.
Aplique o método diariamente, por 1 semana. Na sexta-feira, a criança deve ter memorizado a seção do poema. Na semana seguinte, veja se seu filho já consegue recitar os versos sem que você tenha de pronunciá-los primeiro (pode ser necessário, entretanto, dar uma pista: o pai diz “Esta me…” e o filho completa: “Esta menina”). Após relembrar a primeira seção, passe à memorização da segunda.
Memorização para crianças que já sabem ler
Com crianças que já sabem ler, há várias maneiras de praticar a memorização de poemas. Susan Wise Bauer, autora do livro The Well-Trained Mind (ainda sem tradução para o português), dá algumas sugestões, divididas por faixa etária:
Crianças entre 06 e 10 anos: a criança consegue memorizar um poema simplesmente lendo-o em voz alta, três vezes, todos os dias, por uma semana. Quando ela tiver memorizado o poema, peça a ela para recitá-lo em frente a um objeto – um ursinho de pelúcia, uma boneca, um brinquedo favorito. Depois, em frente ao espelho. Posteriormente, para você. Quando ela já estiver confiante, para outros parentes (pai, mãe, irmãos, avós, primos).
Crianças entre 11 e 14 anos: a criança deve continuar lendo seu poema, três vezes, toda manhã. Uma vez que, nessa idade, a mente começa a trabalhar de forma mais lógica, peça a seu filho que identifique o esquema rítmico, as aliterações e o metro. Essa análise o ajudará a guardar o poema na memória. Encoraje-o a recitar em frente a amigos da família ou pessoas fora da família. Pode não ser uma boa idéia recitar em frente a outras crianças da mesma idade. As crianças nessa idade tendem a ser muito críticas, predispostas a zombar dos gestos ou da voz dos colegas. Você não quer constranger seu filho, ainda mais em um período da vida em que a autoimagem pode ser um problema.
Memorização dos 15 aos 18 anos: nessa idade, seu filho consegue memorizar tanto por meio da repetição quanto por meio da análise. Deve-se avançar para uma avaliação cuidadosa das idéias do poema. Por que o autor escolheu tal palavra? Como a escolha das palavras e dos ritmos impacta as emoções do ouvinte? A repetição procura destacar determinadas palavras ou construções? Seu filho deve aproveitar cada oportunidade de se apresentar em público: pode recitar para colegas, família ou amigos.
Método de memorização de poemas para as crianças que já sabem ler
Escolha um poema que seu filho já conheça e do qual ele goste. A seguir, prossiga da seguinte maneira para auxiliar na memorização:
1º: Se o poema for grande, divida-o em seções. O tamanho da seção vai variar de acordo com a idade da criança e sua capacidade de memorização. Em geral, em uma semana é possível memorizar de 8 a 10 linhas.
2º: Todos os dias, peça a seu filho para ler a seção em voz alta três ou quatro vezes (pode ser uma vez para a mãe, uma para o pai, uma para o irmão mais novo e uma para o cachorro). Se essa estratégia for mantida, em uma semana a criança terá memorizado suas 10 linhas – ou um poema inteiro, no caso de poemas mais curtos. Na sexta-feira, peça que seu filho recite o poema de memória. Muitas crianças se surpreendem ao perceber que conseguem se lembrar de todo o trecho.
3º: Na semana seguinte, passe para seu filho a próxima seção do poema – quando houver. Peça-lhe para ler a seção da semana anterior uma vez, e a nova seção três ou quatro vezes. Repita o procedimento todos os dias da semana. Na sexta-feira, ele recitará as duas seções.
Continue assim até ele ter memorizado todo o poema. Então peça a seu filho que treine a recitação em frente ao espelho, até que consiga fazê-lo sem dar risada. Agora ele estará pronto para recitar para você e, depois, para outros adultos.
Recordar é viver
Como qualquer outra habilidade, a memorização torna-se mais fácil com a prática. Uma vez que a memorização, comprovadamente, estimula as conexões neuronais, aumentando a “memória RAM” do cérebro, a prática tende a tornar mais rápido o processo de memorização.
Entretanto, sem uma revisão regular, o material aprendido tende a ser esquecido, e as conexões neuronais, a se dissiparem. Por isso é fundamental que a prática da memorização seja acompanhada de um “plano de manutenção”, a fim de garantir que o trabalho não seja perdido.
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Olá, achei extremamente interessando essa questão de decorar poemas, nunca me falaram isso na época em que estudava. Muitos adultos, como eu, não tiveram esta experiencia na infância. É possível recuperar o tempo perdido seguindo este método adaptado para adultos?
Se sim, poderia escrever sobre?
muito obrigado
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Olá professor, gostaria de algumas indicações de livros com poemas para meu filho de dois anos